DE CAÇA A CAÇADOR

João Maria Targino do Nascimento
PROFESSOR DE TEATRO QUE MATOU INIMIGO A TIROS E TIJOLADAS EM 2009 E ESTAVA FORAGIDO É PRESO NO AEROPORTO APÓS PASSAR DEZ MESES EM SÃO PAULO

João Maria Targino do Nascimento, hoje com 22 anos, teve várias chances de mudar seu destino, mas não confi ou na polícia. De caça passou a caçador. Ao invés de denunciar aquele que queria vê-lo morto, decidiu fazer justiça com as próprias mãos. Diz que matou em legítima defesa. Foram cinco tiros de revólver e várias tijoladas que tiraram a vida do desafeto Carlos André Lopes Lourenço, crime ocorrido no dia 7 de dezembro de 2009, lá na pequena Lagoa do Sítio, comunidade rural próxima ao distrito de Traíras, no município de Macaíba.

O rapaz recebeu voz de prisão na madrugada de ontem, por volta das 3h, assim que pôs os pés em solo potiguar. Havia acabado de chegar de São Paulo ao lado da mulher e foi algemado ainda no setor de desembarque do aeroporto Augusto Severo, em Parnamirim.

Hoje, João Maria até poderia estar em casa, sossegado ao lado da companheira e de seus familiares. Bem que poderia. E até, quem sabe, ainda dando aulas de teatro. Antes de fugir, a atividade lhe dava prazer, orgulho e lhe rendia prestígio na comunidade. Através do programa Projovem recebia uma bolsa da prefeitura local para ensinar artes cênicas a crianças carentes. No entanto, ele agora está na cadeia.

Na capital paulista João Maria trabalhou na construção civil. Foi sua irmã, que atualmente mora em Guarulhos, que o ajudou a fugir. Mandou dinheiro para que ele viajasse e reconstruísse sua vida. Chegou, inclusive, a alugar um pequeno apartamento. Só que a cabeça começou a pesar sobre o travesseiro. “Voltei porque não suportei o frio de São Paulo. E mais ainda porque sentia um peso enorme na minha consciência. Não conseguia mais dormir. Toda noite tinha pesadelos”, disse ele.

Apesar de toda a vontade de arcar com as consequencias do seu ato e de se livrar dos tormentos, João Maria não soube explicar o motivo de ter tentado despistar os policiais que foram prendê-lo no aeroporto. Ao ser abordado pelos agentes, ele negou ser a pessoa que os policias estavam procurando. Não deu certo. A casa caiu quando o rapaz se viu obrigado a apresentar a carteira de identidade. Com o documento ainda em mãos, o jeito foi baixar a cabeça e ficar calado. Algemado, o jovem foi conduzido à delegacia sem esboçar qualquer reação.

“MINHA VONTADE ERA DE IR ATÉ A POLÍCIA E ME ENTREGAR”

E foi lá, na DP de Macaíba, que o foragido relatou emocionado como sua vida, até então pacata, sofreu o revés. Ainda algemado, trancado numa sala, João Maria revelou ao NOVO JORNAL como se tornou um assassino. Antes, porém, vale registrar que o acusado foi detido sob força de um mandado de prisão expedido pelo juiz Valter Antônio Silva Flor Júnior, titular da Vara Criminal da Comarca de Macaíba. A ordem para a restrição provisória de liberdade foi assinada pelo magistrado no dia 27 de setembro de 2010, quando João Maria se tornou oficialmente um foragido da Justiça.

“Eu não sabia que estava sendo procurado. Minha vontade era de ir até a polícia e me entregar. Queria pagar pelo que fiz. Foi por isso que eu voltei pra casa”, disse ele, logo no início da entrevista.

Questionado sobre o motivo de ter matado, João Maria não desconversou. Sem rodeios foi direto ao ponto e contou que tirou a vida do rival porque foi a única saída que encontrou para não morrer. Afirmou que estava sofrendo constantes ameaças de Carlos André, um jovem que na época tinha praticamente a mesma idade que ele. “Tudo começou por causa de uma briga que ele teve com meu primo. Só que eu tomei as dores e acabei ficando marcado pra morrer”, explicou. “Até que chegou um dia e ele foi à minha casa, armado, para me matar. Eu consegui sair correndo e fugi dele”, acrescentou.

Ainda de acordo com os relatos de João Maria, o medo de morrer foi tão grande que ele chegou a abandonar as aulas de teatro e passou mais de uma semana escondido em Natal. Seu erro, fato que ele mesmo assume, foi não ter procurado a polícia para contar que havia sofrido um atentado. “Ele disse à minha mãe que se eu contasse a alguém o que tinha acontecido ela morreria. Então fiquei apavorado”, justificou. No entanto, mesmo temendo pela vida da mãe, João Maria decidiu agir. E foi da pior maneira possível.

Ao invés de procurar a polícia e denunciar Carlos André, o ameaçado João Maria foi às compras. “Fui ao Alecrim e comprei uma arma. Lembro que paguei R$ 480 pelo revólver e cinco munições”, admitiu.

SEGUNDO ELE, ERA MATAR OU MORRER

De volta à sua comunidade veio a decisão. Matava ou morria. Naquele momento da entrevista, as palavras de João Maria foram acompanhadas pela mãe. E com a presença dela surgiram as lágrimas. Procurando controlar o choro, o rapaz resumiu a história. “Eu ficava na minha, mas ele continuava me ameaçando. Toda vez que me via corria pra cima de mim e ficava fazendo gestos com os dedos, apontando pra mim como se fosse o cano de uma arma. Fez isso várias vezes para minha mãe também”, revelou. “Até que não aguentei mais. Era ele ou eu”, confessou.

A última vez que João Maria engoliu as provocações de Carlos André foi dia 9 de dezembro de 2009. O inimigo se aproximou de bicicleta e parou num orelhão. Estava escurecendo e muita gente caminhava pela rua. Mesmo assim, João Maria não se intimidou. Foi ao encontro do oponente e chamou sua atenção. “Olha pra mim, cabra de peia. Quando for matar alguém, você tem que fazer assim, ó”, disse ele, gesticulando como se sacasse a arma da cintura.

“Então dei o primeiro tiro. Ele ainda veio pra cima de mim, mas eu me esquivei e dei outro. Ele saiu correndo e eu atrás, atirando mais três vezes”, prosseguiu João Maria. Os cinco tiros não derrubaram Carlos André. Ele cambaleava. Como não havia mais bala no tambor do revólver, João Maria só conseguiu terminar o serviço na base da pedrada. Catou um tijolo do chão e deu fim ao que havia começado.

PRESO A PRIMEIRA VEZ,FUGIU NA GARUPA DE UMA MOTO

João Maria matou Carlos André no meio da rua, na presença de dezenas de pessoas. Todo mundo viu. E o assassino não saiu correndo. Depois de disparar cinco vezes e apedrejar o rival, apenas caminhou. Foi quando um soldado da PM que mora na comunidade o interceptou sem dificuldades. “O policial me pegou pelo braço e disse que eu estava preso. Aceitei numa boa. Eu tinha matado mesmo. Não tinha mais o que fazer”, disse o consolado.

A prisão de João Maria foi tão fácil que o policial sequer o algemou. Pior que isso. Confiou tanto na quietude do matador que o deixou sentado na varanda de uma casa enquanto foi buscar ajuda para conduzir o detido até o destacamento da PM. Desta vez foi o policial quem errou. Percebendo a displicência, João Maria aproveitou que um irmão estava na frente da casa com a moto ligada e deu no pé. Saltou na garupa da motocicleta e partiu em dispara com a ajuda do irmão.

“Depois passei semanas me escondendo. Cada dia ia para um sítio diferente. Até que minha irmã ligou pra mim e ofereceu ajuda. Ela mandou dinheiro e eu fui pra São Paulo. Agora estou aqui, arrependido”, concluiu João Maria. “De caça a caçador?”, perguntou o repórter. “Isso mesmo”, respondeu.

ANDERSON BARBOSA
DO NOVO JORNAL

Editado Por Cabo Heronides